terça-feira, 16 de novembro de 2010


Pois havia num fundo de mar uma colônia de ostras,
muitas ostras.
Eram ostras felizes.
Sabia-se que eram ostras felizes
porque de dentro de suas conchas,
saía uma delicada melodia, música aquática,
como se fosse um canto gregoriano,
todas cantando a mesma música.
Com uma exceção: de uma ostra solitária
que fazia um solo solitário...
Diferente da alegre música aquática,
ela cantava um canto muito triste...
As ostras felizes riam dela e diziam:
"Ela não sai da sua depressão..."
Não era depressão. Era dor.
Pois um grão de areia havia entrado
dentro da sua carne e doía, doía, doía.
E ela não tinha jeito de se livrar dele,
do grão de areia. Mas era possível livrar-se da dor.
O seu corpo sabia que, para se livrar da dor
que o grão de areia lhe provocava,
em virtude de sua aspereza, arestas e pontas,
bastava envolvê-lo com uma substância lisa,
brilhante e redonda.
Assim, enquanto cantava o seu canto triste,
o seu corpo fazia o seu trabalho -
por causa da dor que o grão de areia lhe causava.
(...) Apenas a ostra sofredora fizera uma pérola.
(...) Ostra feliz não faz pérolas.
Isso vale para as ostras, e vale para nós,
seres humanos.
(...) Sofrimento que faz pérola não precisa
ser sofrimento físico.
Raramente é sofrimento físico.
Na maioria das vezes são dores da alma.
.
Rubem Alves
In "Ostra feliz não faz pérolas"

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