domingo, 21 de novembro de 2010


"Chega. Não quero mais ser feliz.
Nem triste. Nem nada.
Eu quis muito mandar na vida.
Agora, nem chego a ser mandada por ela.
Eu simplesmente me recuso a repassar a história,
seja ela qual for, pela milésima vez.
Deixa a vida ser como é.
Desde que eu continue dormindo.
Ser invisível, meu grande pavor,
ganhou finalmente uma grande desimportância.
Quase um alivio. I don’t care."
.
Tati Bernardi

"só há uma forma de se estar perto
quando se está muito longe:
se fecha os olhos, bem forte,
e pensa e deseja muito, muito, muito
estar juntinho de quem ama.
Porque no amor tem dessas coisas
...a gente só não pode abrir os olhos
...a gente só não pode deixar de acreditar."
.
Cáh Morandi

A DOCE DANÇA DO TEMPO...
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Segure minha mão com firmeza,
mas com carinho.
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Olhe nos meus olhos bem fundo
enquanto eu te olho
no fundo dos seus olhos.
.
Enxergue minha alma
enquanto traduzo seus sonhos
e deixe que a gente flutue
bem juntos em uma só energia.
.
Vamos dançar juntos
como se voássemos
em uma nuvem exclusiva toda nossa.
.
E enquanto dançamos,
eu te beijo
e você me beija
e a essa altura
já não sou eu, nem você
Somos nós dois, em um apenas.
.
Dois seres, dois corpos,
um sentimento,
uma dança,
uma alma única.
.
Carlos Drummond de Andrade

"Tenho aprendido muito com o jardim.
Os girassóis, por exemplo,
que vistos assim de fora parecem
flores simples, fáceis,
até um pouco brutas.
Pois não são.
Girassol leva tempo se preparando,
cresce devagar, enfrentando mil inimigos,
formigas vorazes, caracóis do mal,
ventos destruidores."
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Caio Fernando Abreu

O mundo é como um espelho
que devolve a cada pessoa
o reflexo de seus próprios pensamentos
e seus atos.
A maneira como você encara a vida
é que faz toda diferença.
A vida muda, quando "você muda".
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Luís Fernando Verissímo

"... Aquele roçar suave dos lábios nos lábios,
apenas como os mais leve dos beijos,
para indicar beijo..."
.
Jack Kerouac
in "Tristessa"

"Tento entender a vida,
o mundo e o mistério
e para isso escrevo.
Não conseguirei jamais entender,
mas tentar me dá uma enorme alegria.
Além disso, sou uma mulher simples,
em busca cada vez mais de mais simplicidade.
Amo a vida, os amigos, os filhos,
a arte, minha casa, o amanhecer.
Sou uma amadora da vida”.
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Lya Luft

Eu
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora
.
quem está por fora
não segura
um olhar que demora
.
de dentro de meu centro
este poema me olha
.
Paulo Leminski

"De vez em quando eu vou ficar esperando você
numa tarde cinzenta de inverno,
bem no meio duma praça,
então os meus braços não vão
ser suficientes para abraçar você
e a minha voz vai querer dizer tanta,
mas tanta coisa que eu
vou ficar calada um tempo enorme..."
.
Caio Fernando Abreu

EPIGRAMA Nº 9
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O vento voa,
a noite toda se atordoa,
a folha cai.
.
Haverá mesmo algum pensamento
sobre essa noite? Sobre esse vento?
Sobre essa folha que se vai?
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Cecilia Meireles

PRAIA
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Nuvem, caravela branca
no ar azul do meio-dia:
- quem te viu como eu te via?
.
Rolavam trovões escuros
pela vertente dos montes.
Tremeram súbitas fontes.
.
Depois, ficou tudo triste
como o nome dos defuntos:
mar e céu morreram juntos.
.
Vinha o vento do mar alto
e levantava as areias,
sem ver como estavam cheias
.
de tanta coisa esquecida,
pisada por tantos passos,
quebrada em tantos pedaços!
.
Por onde ficou teu corpo,
- ilusão de claridade -
quando se fez tempestade?
.
Nuvem, caravela branca,
nunca mais há meio-dia?
.
(Já nem sei como te via!)
.
Cecilia Meireles

DIZENDO ADEUS
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Estou sempre dando adeus:
também ao desencontro e ao
desencanto.
.
Estou sempre me despedindo
do ponto de partida que me lança de si,
do porto de chegada que nunca é
aqui.
.
Estou sempre dizendo adeus:
até a Deus,
para o reencontrar em outra esquina
de adeuses.
.
Estarei sempre de partida,
até o momento de sermos deuses:
quando me fizeres dar adeus à solidão
e à sombra.
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Lya Luft

TRISTE
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Eu hoje acordei triste, - há certos dias
em que sinto esta mesma sensação,
e não sei explicar, qual a razão
porque as mãos com que escrevo estão tão frias...
.
E pergunto a mim mesmo: - tu não rias
ainda ontem tão feliz? ... Diz-me então
por que sentes pulsar teu coração
destoando das humanas alegrias?...
.
E, nem eu sei dizer por que estou triste ...
Quem me olha não calcula com certeza,
o imenso caos que no meu peito existe ...
.
A tristeza que eu sinto ninguém vê...
- E a maior das tristezas é a tristeza
que a gente sente sem saber por quê...
.
J. G. de Araújo Jorge

GATA ANGORÁ
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Sobre a almofada rica e em veludo estofada
caprichosa e indolente como uma odalisca
ela estira seu corpo de pelúcia, - e risca
um estranho bordado ao centro da almofada...
.
Mal eu chego, ela vem... (nunca a encontrei arisca)
-sempre essa ar de amorosa; a cauda abandonada
como uma pluma solta, pelo chão deixada,
e o olhar, feito uma brasa acesa que faísca!
.
Mal eu chego, ela vem... lânguida, preguiçosa,
Roçar pelos meus pés a pelúcia prata,
como a implorar carícias, tímida e medrosa...
.
E tem tal expressão, e um tal jeito qualquer,
- que às vezes, chego mesmo a pensar que essa gata
traz no corpo escondida uma alma de mulher!
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J. G. de Araújo Jorge

Se estou só, quero não estar,
Se não estou, quero estar só,
Enfim, quero sempre estar
Da maneira que não estou.
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Ser feliz é ser aquele.
E aquele não é feliz,
Porque pensa dentro dele
E não dentro do que eu quis.
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A gente faz o que quer
Daquilo que não é nada,
Mas falha se o não fizer,
Fica perdido na estrada
.
Fernando Pessoa

PASSA UMA BORBOLETA
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Passa uma borboleta por diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento,
Assim como as flores não têm perfume nem cor.
A cor é que tem cor nas asas da borboleta,
No movimento da borboleta o movimento é que se move,
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.
.
Alberto Caeiro

LÁGRIMAS
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Ela chorava muito e muito, aos cantos,
Frenética, com gestos desabridos;
Nos cabelos, em ânsias desprendidos,
Brilhavam como pérolas os prantos.
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Ele, o amante, sereno como os santos,
Deitado no sofá, pés aquecidos,
Ao sentir-lhe os soluços consumidos,
Sorria-se cantando alegres cantos.
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E dizia-lhe então, de olhos enxutos;
- “Tu pareces nascida de rajada,
Tens despeitos raivosos, resolutos;
.
Chora, chora, mulher arrenegada;
Lacrimosa por esses aquedutos…
Quero um banho tomar de água salgada.”
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Cesário Verde

CANTIGA DE RODA
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Ao som de ingênua cantiga,
Gira, ligeira, uma roda.
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Bailam cabelos de linho,
Brilha a cantiga nos olhos,
Saltam, leves, os pezinhos.
.
Os grandes cedros antigos,
Também, se põem a bailar:
Cantam os ramos no ar,
Dançam as sombras no chão.
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Helena Kolody

AQUARELA ESTIVAL
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Tem o cheiro do Verão quando amanhece
e dos seus olhos, onde é sempre dia,
desprende-se uma luz que me deslumbra.
Ao caminhar, em seu redor parece
que o ar se faz de sol e maresia
sem a mais leve réstia de penumbra.
E como em desafio serpenteia
onde o mar vem deitar-se com a areia.
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Torquato da Luz

RECADO
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Ao vento da noite sussurro
sete segredos; tudo que
tenho por fora tudo que tenho
por dentro, que o vento vá levando
minha sede de amor, pule cerca
pule sebes abra porteiras no mar
derramando meu recado nos quatro
cantos do ar...
.
Roseana Murray

A CONCHA E A VIRGEM
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Linda concha que passava,
Boiando por sobre o mar,
Junto a uma rocha, onde estava
Triste donzela a pensar,
Perguntou-lhe: - "Virgem bela,
Que fazes no teu cismar?"
- "E tu", pergunta a donzela,
"Que fazes no teu vagar?"
Responde a concha: - "Formada
Por estas águas do mar,
Sou pelas águas levada,
Nem sei onde vou parar!"
Responde a virgem sentida,
Que estava triste a pensar:
- "Eu também vago na vida,
Como tu vagas no mar!
"Vais duma a outra das vagas,
Eu dum a outro cismar;
Tu indolente divagas,
Eu sofro triste a cantar.
"Vais onde te leva a sorte,
Eu, onde me leva Deus:
Buscas a vida, — eu a morte;
Buscas a terra, — eu os céus!
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Gonçalves Dias

O PRIMEIRO BEIJO
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O primeiro beijo inaugura a casa
inaugura o corpo, talha a
primeira pedra do caminho.
.
Pode e deve ser doce
abelha inventando o mel
pode e deve ser louco
doce vôo louco no corpo
do outro.
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Roseana Murray

RECEITA CONTRA DOR DE AMOR
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Chore um mar inteiro com todos os seus barcos a vela.
Chore o céu e as suas estrelas os seus mistérios e o
seu silêncio.
Chore um equilibrista caminhando sobre a face de um poema.
Chore o sol e a lua a chuva e o vento para que uma nova
semente entre pela janela adentro.
.
Roseana Murray

Por todos os lados,
O mar me rodeia:
Me deixa recados
Escritos na areia.
.
Das águas sou filha:
Nasci de um beijo de espuma
Em redor de alguma
Silenciosa ilha.
.
Maravilha, maravilha
Da espuma em pedra serena:
A água nos meus olhos brilha,
Da pedra é que sou morena.
.
Cecília Meireles

RECEITA DE INVENTAR
PRESENTES

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Colher braçadas de flores
bambus folhas e ventos
e as sete cores do arco-íris
quando pousam no horizonte
juntar tudo num instante
num caldeirão de magia
e então inventar um pássaro louco
um novo passo de dança
uma caixa de poesia
.
Roseana Murray

LAGOA
.
Eu não vi o mar
Não sei se o mar é bonito,
Não sei se lê é bravo.
O mar não me importa
.
Eu vi a lagoa.
A lagoa, sim.
A lagoa é grande
E calma também.
Na chuva de cores
Da tarde que explode
A lagoa brilha
A lagoa se pinta
De todas as cores.
Eu não vi o mar.
Eu vi a lagoa
.
Carlos Drummond de Andrade

CONFISSÃO
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Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece...
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!
.
Mario Quintana

AS MINHAS ROSAS
.
Sim! a minha ventura quer dar felicidade;
Não é isso que deseja toda a ventura?
Quereis colher as minhas rosas?
Baixai-vos então, escondei-vos,
Entre as rochas e os espinheiros,
E chupai muitas vezes os dedos.
Porque a minha ventura é maligna,
Porque a minha ventura é pérfida.
Quereis apanhar as minhas rosas?
.
Friedrich Nietzsche

VELEJAR
.
Velejar para onde?
Para que mundo, acaso,
se esse mundo se esconde
ou nos chega com atraso?
.
Velejar para que,
se essa mesma distancia
que o coração antevê
com tão profunda ânsia
.
a nada mais conduz
que ao grande desalento
de ver que tudo é luz
dispersa em água e vento?
.
Alphonsus de Guimaraens Filho

CANÇÃO AZUL
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Triste, Poeta, triste a florzinha azul que sem querer pisaste
No teu caminho...
Miosótis, - disseste, inclinando um instante sobre ela.
E ela acabou de morrer, aos poucos, dentre a relva úmida.
Sem nunca ter sabido que se chamava miosótis.
Nem que iria impregnar, com o seu triste encanto,
O teu poema daquele dia...
.
Mario Quintana

CRIANÇA
.
Cabecinha boa de menino triste,
De menino triste que sofre sozinho,
Que sozinho sofre, - e resiste.
.
Cabecinha boa de menino ausente,
Que de sofrer tanto se fez pensativo.
E não sabe mais o que sente...
.
Cabecinha boa de menino mudo
Que não teve nada, que não pediu nada,
Pelo medo de perder tudo.
.
Cabecinha boa de menino santo
Que do alto se inclina sobre a água do mundo
Para mirar seu desencanto
.
Para ver passar numa onda lenta e fria
A estrela perdida da felicidade
Que soube não possuiria.
.
Cecília Meireles

A COR DA TUA ALMA
.
Enquanto eu te beijo, o seu rumor
nos dá a árvore, que se agita ao sol de ouro
que o sol lhe dá ao fugir, fugaz tesouro
da árvore que é a árvore de meu amor.
.
Não é fulgor, não é ardor, não é primor
o que me dá de ti o que te adoro,
com a luz que se afasta; é o ouro, o ouro,
é o ouro feito sombra: a tua cor.
.
A cor de tua alma; pois teus olhos
vão-se tornando nela, e à medida
que o sol troca por seus rubros seus ouros,
e tu te fazes pálida e fundida,
sai o ouro feito tu de teus dois olhos
que me são paz, fé, sol: a minha vida!
.
Juan Ramón Jiménez

POESIA PURA
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Um lampião de esquina
Só pode ser comparado a um lampião de esquina,
De tal maneira ele é ele mesmo
Na sua ardente solidão!
.
Mario Quintana

QUANDO CHEGARES
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Não sei se voltarás,
sei eu te espero.
.
Chegues quando chegares,
ainda estarei de pé, mesmo sem dia,
mesmo que seja noite, ainda estarei de pé.
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A gente sempre fica acordado
nessa agonia,
à espera e um amor que acabou sendo fé...
.
Chegues quando chegares,
se houver tempo, colheremos ainda frutos, como ontem,
a sós;
se for tarde demais, nos deitaremos à sombra
e perguntaremos por nós...
.
J.G. de Araújo Jorge

CANÇÃO DOS TRÊS BARCOS
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Meu avô me deu três barcos:
um de rosas e cravos,
um de céus estrelados,
um de náufragos, náufragos...
ai, de náufragos!
.
Embarcara no primeiro,
dera em altos rochedos,
dera em mares de gelo,
e partira-se ao meio...
ai, no meio!
.
No segundo me embarcara,
e nem sombra de praia,
e nem corpo e nem alma,
e nem vida e nem nada...
ai, nem nada!
.
Embarcara no terceiro,
e que vela e que remo!
e que estrela e que vento!
e que porto sereno!
ai, sereno!
.
Meu avô me deu três barcos:
um de sonhos quebrados,
um de sonhos amargos,
e o de náufragos, náufragos!
ai, de náufragos!
.
Cecília Meireles

AS MINHAS ILUSÕES
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Hora sagrada dum entardecer
De Outono, à beira-mar, cor de safira,
Soa no ar uma invisível lira...
O sol é um doente a enlanguescer...
.
A vaga estende os braços a suster,
Numa dor de revolta cheia de ira,
A doirada cabeça que delira
Num último suspiro, a estremecer!
.
O sol morreu... e veste luto o mar...
E eu vejo a urna de oiro, a balouçar,
À flor das ondas, num lençol de espuma.
.
As minhas Ilusões, doce tesoiro,
Também as vi levar em urna de oiro,
No mar da Vida, assim... uma por uma...
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Florbela Espanca

ALMA PERDIDA
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Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!
.
Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente...
Talvez sejas a alma, a alma doente
Dalguém que quis amar e nunca amou!
.
Toda a noite choraste... e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!
.
Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh'alma
Que chorasse perdida em tua voz!...
.
Florbela Espanca

VENTO
.
De onde vem o vento?
.
Chega sem aviso.
Pastoreia as nuvens,
atropela as ondas,
arrepia o rio.
.
Como brinca o vento!
.
Gira em corrupios
com as folhas mortas.
Assobia em festas.
Feliz, se balança
nos mais altos ramos
inventa a dança das sombras
no chão dos caminhos.
.
Que segura o vento?
.
Quando se enfurece,
ruge violento.
.
Derruba,
destelha,
mata.
.
Como é doce o vento
quando é brisa leve
e passa de mansinho!
.
Livre como veio,
vai-se embora o vento.
.
Helena Kolody

MENSAGEM
.
Na última nuvem, quando morre o dia,
mando-te um sopro do meu pensamento
e vou seguindo a nuvem fugidia
nas linhas curvas do seu movimento.
.
Cai a noite e com ela mais se amplia
o horror deste infinito isolamento
o vento grita pela noite fria
mas nada exprime a longa voz do vento.
.
Nada dizem as folhas da ramada
não mais me encanta o eterno gorgolejo
da água que corre... A noite não diz nada.
.
Surge uma estrela e eu sinto, ao surpreendê-la
que mandas a mensagem do teu beijo
nessa pequena e solitária estrela.
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Olegário Mariano

O ENAMORADO DAS ROSAS
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Toda manhã, ao sol, cabelo ao vento,
Ouvindo a água da fonte que murmura,
Rego as minhas roseiras com ternura,
Que água lhes dando, dou-lhes força e alento.
.
Cada um tem um suave movimento
Quando a chamar minha atenção procura
E mal desabrochada na espessura,
Manda-me um gesto de agradecimento.
.
Se cultivei amores às mancheias,
Culpa não cabe às minhas mãos piedosas
Que eles passassem para mãos alheias.
.
Hoje, esquecendo ingratidões mesquinhas,
Alimento a ilusão de que essas rosas,
Ao menos essas rosas, sejam minhas.
.
Olegário Mariano

CANÇÃO DO CAMINHO
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Por aqui vou sem programa,
sem rumo,
sem nenhum itinerário.
O destino de quem ama
É vário,
como o trajeto do fumo.
.
Minha canção vai comigo.
Vai doce.
Tão sereno é seu compasso
que penso em ti, meu amigo.
- Se fosse,
em vez de canção, teu braço!
.
Ah! Mas logo ali adiante
- tão perto! -
acaba-se a bela.
Para este pequeno instante,
decerto,
é melhor ir só com ela.
.
(Isto são coisas que digo,
que invento,
para achar a vida boa...
a canção que cai comigo
é a forma de esquecimento
do sonho sonhado à toa...)
.
Cecília Meireles

FIO D'ÁGUA
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Não quero ser o grande rio caudaloso
Que figura nos mapas.
.
Quero ser o cristalino fio d’água
Que canta e murmura na mata silenciosa.
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Helena Kolody

A MEU FAVOR
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A meu favor
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio, algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer
.
Ao meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que a vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.
.
Alexandre O’Neill

FAROL
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Luz maluca na noite, coração
Que palpita por tudo o que há de vir:
Ninguém te vê, ninguém te crê, senão
Quem teve o desespero de partir.
.
Quem se venceu na própria solidão,
E num frágil veleiro quis abrir
O mar salgado de uma condição
Onde a altura do céu vinha cair.
.
Quem, afogado em pranto, reconhece
No teu aceno inquieto e tutelar
Outra vida mais larga que amanhece,
.
Fresca de pressentir e germinar,
Lá numa praia branca onde apodrece
Quem nela só consegue naufragar.
.
Miguel Torga

O HOMEM E A ÁGUA
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Deixa-me ser o que sou,
o que sempre fui,
um rio que vai fluindo.
E o meu destino é seguir... seguir para o mar.
O mar onde tudo recomeça...
Onde tudo se refaz...
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Mario Quintana

CULPADO
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Não consigo chegar. Estou sempre partindo.
.
Absolutamente incapaz para a felicidade,
vou inutilizando cada amor, tão de pronto
o sinto meu...
.
Não protesto, nem reclamo: é um simples reconhecimento
da verdade,
- o culpado sou eu.
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J.G. de Araújo Jorge

QUEM DIRIA
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Nós dois, os rostos juntos, como namorados...
.
Hoje, encontrei de novo aquela fotografia,
os rostos juntos, colados,
como namorados...
Encontrei-a. ....esbatida, já sem cor
- aquela fotografia...
.
- Quem diria? amor,- quem diria?
.
J.G. de Araújo Jorge

CHAFARIZ
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Música a fluir da pedra.
Coração cristalino do lugar.
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Crianças aprisionam teu jorro
em cântaros humildes
e compunham, na água clara,
um mosaico de reflexos.
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Helena Kolody

ESPELHISMO
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Olhou numa poça d’água
E viu a mão estendida.
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Alongou a própria destra,
Num impulso de acolhida
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Mas, a mão tocou em nada.
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Era, apenas, refletida
No espelho da água parada,
A sua mão estendida.
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Helena Kolody

Mentira que as rosas ferem;
Rosas são de veludo;
são da roseira os espinhos
.
Helena Kolody